<font color=0093dd>O sujeito no mundo</font>
Comemora-se este ano o centenário do nascimento do poeta comunista Armindo Rodrigues, cantor do povo, reflectindo sobre a existência e o mundo, poético como poucos. «Em cada instante cabe o mundo», escreveu.
Não estava por trás, não estava ao lado, estava lá, fazia parte do povo, da sua vivência, da sua riqueza, da sua essência, do seu quotidiano, das suas paisagens, das suas aspirações, das suas feridas, das suas visões. Armindo Rodrigues estava lá, porque ele próprio era povo, era gente, era multidão, de olhos atentos, mente desperta e caneta na mão, reflectindo e criando depois de ver e pensar, pondo no papel o mundo e as suas ideias. Ideias de presente e de futuro, porque «sonho uma vez sonhado, / quer puro, quer impuro, / quem o sonhou não o esquece. / Não se espera pelo passado. / Quem espera espera o futuro. / E só ele é que o merece.»
Não há identificação – porque nada é igual a nada –, mas sim reflexo, míriades de reflexos do dia-a-dia, o Tejo com os seus barcos repletos de passageiros, o Alentejo com as suas planícies quentes, as deambulações ciganas, o amor e os seus intercâmbios. Mas também a reflexão sobre si próprio, a sua condição de poeta, a vontade de o ser para «conciliar verdade e beleza». Como escreveu David Mourão Ferreira aquando da atribuição do prémio Diário de Notícias a Armindo Rodrigues em 1973, o poeta «canta-se a si próprio, porque é um modo de cantar o mundo – o que é também um processo de se re-conhecer». Nesse processo, encontra o outro, o exterior que é também interior, porque o poeta faz parte desse mundo e o mundo é um pedaço dele. Não se separam jamais, nos sentimentos, nas observações, nas reflexões. Por isso, o poeta afirma que «em cada pensamento estou inteiro. / Inteiro estou no mínimo protesto. / Inteiro estou no mínimo desânimo.» Por isso, o poeta escreve sobre quase todos os motivos sociais do século XX português, da resistência na cidade à reforma agrária. Por isso, o poeta faz de si um pequeno centro a par com os centros que cada ser humano constitui.
Obra ímpar
«Não vejo, na poesia contemporânea portuguesa, obra mais unamente facetada, ou mais facetada unitariamente, que a de Armindo Rodrigues. Nem obra que melhor consiga reunir comoção e reflexão, abandono e rigor, delicadeza e virilidade, concentração sobre o que lhe serve de raiz ou se suporte (os dados biográficos, o substrato psíquico, os pressupostos étnicos) e generosa abertura sobre o universo. E não vejo, por outro lado, obra que mais corajosamente mobilize tão diversa gama de motivos e também de formas, que mais destemidamente contorne os próprios precipícios do prosaísmo ou da discursividade, que mais airosamente se liberte das armadilhas que a si mesma parece estender», escreveu no mesmo artigo David Mourão-Ferreira.
Urbano Tavares Rodrigues, em 1979, completa a análise, falando de «poemas extremamente sensoriais de um poeta extremamente cerebral, neles leva o ladrar dos cães, o coaxar das rãs, neles se reflecte, até ao nível do ritmo, ou o silêncio de marasmo ou o falso galope do tempo que não anda».
É fácil, pois, compreender Armindo Rodrigues como um poeta moderno que considera a tradição poético-literária como uma referência, reporta-se a ela como um mestre a consultar e não a copiar. Fernando Pessoa, Camilo Pessanha, Antero de Quental, Luís de Camões e Federico Garcia Lorca são alguns dos referentes de uma poesia ontológica e simultaneamente vívida. Mais uma vez encontramos o futuro, embora não deslocado do passado, mas o futuro que é construído pelos contemporâneos, os seus iguais, os poetas que não fazem poemas no papel mas no mundo. «O sonho e a vigília andam a par. / A par o que se nega se promete. / Nada é nada, se apenas se afirmar», escreveu. Ele afirmou e construiu, no seio de uma multidão que, unida, sabia o poder que tinha nas mãos e para o que servia. E que, afirmando, construiu.
Não há identificação – porque nada é igual a nada –, mas sim reflexo, míriades de reflexos do dia-a-dia, o Tejo com os seus barcos repletos de passageiros, o Alentejo com as suas planícies quentes, as deambulações ciganas, o amor e os seus intercâmbios. Mas também a reflexão sobre si próprio, a sua condição de poeta, a vontade de o ser para «conciliar verdade e beleza». Como escreveu David Mourão Ferreira aquando da atribuição do prémio Diário de Notícias a Armindo Rodrigues em 1973, o poeta «canta-se a si próprio, porque é um modo de cantar o mundo – o que é também um processo de se re-conhecer». Nesse processo, encontra o outro, o exterior que é também interior, porque o poeta faz parte desse mundo e o mundo é um pedaço dele. Não se separam jamais, nos sentimentos, nas observações, nas reflexões. Por isso, o poeta afirma que «em cada pensamento estou inteiro. / Inteiro estou no mínimo protesto. / Inteiro estou no mínimo desânimo.» Por isso, o poeta escreve sobre quase todos os motivos sociais do século XX português, da resistência na cidade à reforma agrária. Por isso, o poeta faz de si um pequeno centro a par com os centros que cada ser humano constitui.
Obra ímpar
«Não vejo, na poesia contemporânea portuguesa, obra mais unamente facetada, ou mais facetada unitariamente, que a de Armindo Rodrigues. Nem obra que melhor consiga reunir comoção e reflexão, abandono e rigor, delicadeza e virilidade, concentração sobre o que lhe serve de raiz ou se suporte (os dados biográficos, o substrato psíquico, os pressupostos étnicos) e generosa abertura sobre o universo. E não vejo, por outro lado, obra que mais corajosamente mobilize tão diversa gama de motivos e também de formas, que mais destemidamente contorne os próprios precipícios do prosaísmo ou da discursividade, que mais airosamente se liberte das armadilhas que a si mesma parece estender», escreveu no mesmo artigo David Mourão-Ferreira.
Urbano Tavares Rodrigues, em 1979, completa a análise, falando de «poemas extremamente sensoriais de um poeta extremamente cerebral, neles leva o ladrar dos cães, o coaxar das rãs, neles se reflecte, até ao nível do ritmo, ou o silêncio de marasmo ou o falso galope do tempo que não anda».
É fácil, pois, compreender Armindo Rodrigues como um poeta moderno que considera a tradição poético-literária como uma referência, reporta-se a ela como um mestre a consultar e não a copiar. Fernando Pessoa, Camilo Pessanha, Antero de Quental, Luís de Camões e Federico Garcia Lorca são alguns dos referentes de uma poesia ontológica e simultaneamente vívida. Mais uma vez encontramos o futuro, embora não deslocado do passado, mas o futuro que é construído pelos contemporâneos, os seus iguais, os poetas que não fazem poemas no papel mas no mundo. «O sonho e a vigília andam a par. / A par o que se nega se promete. / Nada é nada, se apenas se afirmar», escreveu. Ele afirmou e construiu, no seio de uma multidão que, unida, sabia o poder que tinha nas mãos e para o que servia. E que, afirmando, construiu.